sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Tartufos e espertalhões



O fenômeno das drogas ilícitas é utilizado não só para mascarar interesses geopolíticos, geoestratégicos e geoeconômicos. Também serve de pano de fundo para esconder o oportunismo de antigos presidentes que, nos seus mandatos, assumiram posições reacionárias e fé intransigente no proibicionismo e na criminalização, com pena de prisão fechada ao usuário. No particular, três ex-presidentes uniram-se para montar um palanque político, ou seja, uma ONG intitulada Comissão Global sobre Políticas das Drogas. São eles Fernando Henrique Cardoso, César Gaviria e Ernesto Zedillo, respectivamente, de Brasil, Colômbia e México.
Zedillo notabilizou-se por quebrar economicamente o seu país e causar uma pantagruélica crise financeira mundial. No México de Zedillo, apenas a indústria das drogas ilícitas prosperou. Gaviria, premiado pelos bons serviços aos EUA para presidir a OEA, assistiu o enriquecimento de megacartéis e a infiltração de narcochefões nos poderes e nas polícias.
Esse supracitado trio, agora, se apresenta como progressista e antiproibicionista. Os pronunciamentos são voltados a tentar mostrar, nos seus próprios países e o título global dado à ONG é mera purpurina, que seus fundadores continuam ativos e prontos a iluminar o mundo pelas ideias, ainda que já apresentadas e discutidas exaustivamente há mais de 50 anos.
Os trabalhos desse grupo, segundo anunciado, serão enviados para a ONU, que, por falta de entendimento entre os Estados membros, ainda não conseguiu se livrar da Convenção de 1961. Aquela que, dentre outros desatinos, equipara, para fins de proibição, a cocaína à folha de coca, tradicionalmente mascada pelos nativos andinos, a qual a Organização Mundial da Saúde afirmou não fazer mal. E de nada adiantam os protestos do presidente boliviano Evo Morales, que, para incomodar, anunciou na semana passada o lançamento do refrigerante Brynco Coca.
Na Presidência, FHC, que experimentou maconha mas não gostou, desprezou os que provaram e gostaram da erva ou de outras drogas proibidas. No seu governo, pediu a aprovação em regime de urgência de um velho e esquecido projeto de lei avaliado por ele como adequado e fundamental ao Brasil. Pela pressão de estudiosos e intelectuais, FHC vetou 80% da lei antes recomendada. Manteve a criminalização da posse de drogas para uso próprio e a pena de cadeia ao consumidor. Voltou atrás no que tocava a interditar o usuário para atos da vida civil, como casar, abrir conta em banco etc.
FHC desprezou caminhar com Portugal, que, no fim de 1999 e em face do magnífico trabalho do professor João Gulão, descriminalizou o porte de drogas para uso pessoal, considerando-o problema de saúde pública e infração meramente administrativa. Portugal, em face da nova lei, conseguiu, como atestado pela União Europeia, uma redução significativa no consumo de drogas proibidas, naturais e sintéticas.
Em entrevista à revista Economist, o professor Gulão deu a fórmula do sucesso: “Liberamos e o consumo caiu”. Depois de oito anos de mandato como presidente do Brasil e passados 11 de vigência da vitoriosa fórmula de Gulão, o notável FHC descobriu a liberação, embora ainda não tenha ideia de como se faz.
Na segunda-feira 24, de Genebra e em reunião dessa comissão-palanque de políticas de drogas para o mundo, FHC concedeu uma entrevista ao jornal O Globo. A ONG prefere o circuito Elizabeth Arden e nada de encontros nas mexicanas e violentas Tijuana, Ciudad Juárez e Nova Laredo. A propósito, no México, foi liberado por lei o porte para consumo, em pequenas quantidades, de todas as drogas.
Na entrevista, FHC mostrou preocupação com a demissão do secretário de Políticas sobre Drogas e disse temer, no governo Dilma Rousseff, a adoção de posturas reacionárias. Talvez, uma volta à política nacional antidrogas que anunciou nos estertores do seu governo e ficou comprovado tratar-se de cópia da norte-americana.
Com o erro de não consultar FHC antes, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, discursou na mexicana Guanajuato no dia 25. Sem corar, disse “admirar” a política de guerra às drogas do presidente Felipe Calderón. A secretária nada comentou sobre documento publicado pelo WikiLeaks de o governo norte-americano não confiar na war on drugs do presidente mexicano.
A solução militar admirada por Hillary tem um alto custo em termos de perdas humanas. O México já inventariou 34 mil mortes e mais de 70% das vítimas fatais eram civis inocentes. Para 53% da população, o Exército, empregado por Calderón, comete frequentes violações a direitos humanos.
Hillary prometeu ajuda econômica, mas impôs uma agenda bilateral. Segundo vazou, a secretária quer o FBI com liberdade para interrogar presos e  investigar. Obama e Hillary sabem que a oposição poderá ganhar a eleição presidencial no México.
Pano Rápido. Com tantos espaços, cabem palanques para abrigar espertalhões e tartufos.

Wálter Maierovitch

Walter Maierovitch é jurista e professor, foi desembargador no TJ-SP

Extraído da Carta Capital nas bancas do país neste sábado

Um comentário:

  1. Vão descobrir ainda que essa Ong aí pode muito bem ser financiada pelo narcotráfico, por que no fundo talvez os interesses de ambos sejam comuns...ou não?

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...