sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Congelando a esperança


PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
Depois da derrota acachapante do Partido Democrata nas eleições do mês passado, todos imaginaram de que maneira o presidente Barack Obama reagiria. Será que mostraria sua combatividade? Manteria a firmeza quanto aos valores em que acredita, mesmo diante da adversidade política?
Na segunda-feira, surgiu a resposta. Ele anunciou o congelamento do salário dos funcionários públicos federais. O anúncio diz tudo: é transparentemente cínico; ainda que sua escala seja trivial, a orientação que ele indica é errônea; e, ao fazer o anúncio, Obama na prática acatou os argumentos políticos das pessoas que estão tentando -e aparentemente conseguindo- destrui-lo.
Por isso, creio que estejamos, sim, vendo do que Obama é feito.
Quanto ao congelamento de salários: o presidente gosta de falar sobre "momentos de aprendizado". Bem, nesse caso ele parece ansioso para que os norte-americanos aprendam uma lição falsa.
A verdade é que o já antigo problema do deficit público norte -- americano nada tem a ver com funcionários federais que ganhem demais. Para começar, eles não ganham tão bem. Os salários federais ficam em média um pouco abaixo dos recebidos por trabalhadores com qualificações semelhantes no setor privado. E, de qualquer forma, a folha de pagamentos é apenas uma pequena parcela dos gastos federais; mesmo que fosse reduzida à metade, os gastos totais seriam diminuídos em apenas 3%.
Assim, congelar os salários federais é simplesmente um gesto cínico de teatro, no que tange à redução do deficit. É um truque (literalmente) barato que só soa impressionante para pessoas que nada conhecem sobre as realidades orçamentárias. O dinheiro efetivamente economizado, cerca de US$ 5 bilhões em dois anos, é uma mixaria diante da escala do deficit.
De qualquer forma, reduzir os gastos federais em um momento no qual a economia está deprimida é exatamente a coisa errada a fazer. Basta perguntar aos dirigentes do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), que recentemente vêm mais ou menos implorando por alguma ajuda em seus esforços de promoção de um crescimento mais rápido.
Enquanto isso, há uma questão verdadeira sobre o deficit em debate: determinar se os cortes de impostos para os mais ricos serão prorrogados, como exigem os republicanos. Basta um lembrete financeiro: em prazo de 75 anos, o custo de tornar os cortes permanentes seria equivalente ao do deficit completo da previdência social.
O truque de Obama quanto aos salários talvez, e nem isso é certo, pudesse fazer sentido caso ele tivesse aproveitado a ocasião do anúncio para se posicionar de forma vigorosamente contrária às demandas republicanas -- declarando que, em um momento no qual deficit são uma questão importante, não é aceitável conceder vantagens tributárias aos mais ricos.
Mas não o fez. Em lugar disso, ele aparentemente pretendia que o congelamento de salários fosse um gesto para apaziguar os republicanos, um dia antes de uma conferência entre os dois partidos.
Na conferência, Obama, que enfrentou dois anos de oposição violentamente radical, declarou que não se havia esforçado o suficiente para se aproximar de seus inimigos implacáveis. Até onde se sabe, ele não tinha presa às costas do paletó uma folha de papel com as palavras "me chuta", mas é quase como se assim fosse.
Não houve gestos comparáveis vindos do outro lado. Em lugar disso, os republicanos do Senado declararam que nenhum dos demais temas da pauta -- entre quais a ratificação de um tratado de armas estratégicas vital para a segurança nacional -- avançaria até que a questão dos cortes de impostos fosse resolvida -- presumivelmente, da forma que eles desejam.
É difícil escapar à impressão de que os republicanos chegaram a uma conclusão sobre Obama -- e estão pagando para ver, acreditando que ele está blefando e terá de desistir. E é igualmente difícil escapar à impressão de que estão certos.
A verdadeira questão envolve o que Obama e seu círculo mais próximo de assessores estão de fato pensando. Será que realmente acreditam, depois de todo esse tempo, que gestos de apaziguamento dirigidos aos republicanos atrairão uma resposta generosa?
O que intriga ainda mais é a indiferença da equipe de Obama aos efeitos que gestos sobre esses têm sobre seus partidários. Seria de esperar que um candidato que chegou a uma vitória inesperada nas primárias democratas com base no entusiasmo dos ativistas compreendesse que esse entusiasmo é um ativo importante.
Em lugar disso, porém, Obama quase parece estar tentando decepcionar sistematicamente aqueles que no passado o apoiavam de modo mais veemente, para convencer as pessoas que o conduziram ao governo de que cometeram um erro embaraçoso.
O que quer que esteja acontecendo no interior da Casa Branca, a situação vista do lado de fora tem cara de colapso moral -- uma perda total de direção e propósito.
O que os democratas deveriam fazer, assim? A resposta, cada vez mais, parece ser a de que devem agir por conta própria. Os democratas do Congresso, especialmente, ainda têm a capacidade de bloquear seus oponentes -- como fizeram na quinta-feira, ao forçar uma votação sobre a prorrogação dos cortes de impostos para a classe média, colocando os republicanos na desconfortável posição de votar contra a classe média para salvaguardar os cortes nos impostos dos ricos.
Seria muito mais fácil para os democratas defender as suas posições se Obama fizesse a parte que lhe cabe, é claro. Mas todas as indicações são de que o partido terá de buscar em outra parte a liderança de que necessita.
tradução de PAULO MIGLIACCI

Um comentário:

  1. Barack dançou, companheiros, daqui a dois anos teremos a volta dum bush republicano reciclado e com sede de sangue... vai sobrar pro resto do mundo...

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