terça-feira, 20 de abril de 2010

EU E BRASILIA, UM CASO DE AMOR E DESAMOR À DISTANCIA...




“Espero que Brasília seja uma cidade de homens felizes: homens que sintam a vida em toda sua plenitude, em toda sua fragilidade; homens que compreendam o valor das coisas simples e puras dum gesto, uma palavra de afeto e solidariedade.”

(Oscar Niemayer)


Cheguei por lá a primeira vez em agosto de 1971, depois de seis meses em Manaus, sarando dum susto decorrente da reação irada a um texto meu escrito no jornal A Luta, em dezembro de 1970. Saí daqui com o coração pequeno por uma decepção amorosa, uma dentre as tantas que colecionei ao longo da vida. Era a segunda vez que saia pelo mundo aí de fora das fronteiras desse planetinha Piauí, que repele e atrai a gente pra si ao longo da vida. Cheguei num fim de tarde e fui pra casa de uns parentes em Taguatinga. Dia seguinte procurei o endereço de uns amigos daqui no Plano Piloto. Da casa de amigos pra casa de parentes fiquei algum tempo vivendo de bicos até que passei num concurso pro Banco do Brasil. Enquanto o banco não me chamava passei uns tempos na casa de uma irmã que hoje mora em Brasília, mas na época morando na bela cidade de Ribeirão Preto, São Paulo. Tentei ser nomeado pra Brasília, procurei gente importante, conterrâneos ex-diretores do banco, mas nada, terminei indo trabalhar em São Paulo, capital.
Só fui voltar a Brasília dez anos depois, casado, uma mulher e dois filhos pequenos. Fiquei um ano na Asa Sul e nove menos um que passei em Teresina, na simpática cidade satélite de Sobradinho, talvez os melhores anos de minha vida familiar, nasceram mais dois filhos, a vida doméstica mais ou menos tranqüila, até que um dia voltei a morar no Plano Piloto, mais precisamente na Asa Norte. Ali passei os dez piores anos de minha vida em Brasília. Nesse tempo vivi os mais atribulados anos de minha vida toda, principalmente depois que saí do Banco do Brasil num PDV meio desastroso.
Em 2002/3 me separei e saí de casa, de junto da família. Se a saída do banco significou a queda num mundo real que a redoma de um emprego chato mas seguro protegia, sair de casa significou pra mim um mergulho num poço que parecia não ter fim. Tudo o que construí e acumulei em 50 anos de vida, perdi em dez anos: emprego, casa, família, carro, mulher. Seria trágico se eu não fosse mais forte do que imaginava, mas ainda hoje estou procurando às duras penas o rumo de casa. E achando que acho antes de morrer, nem que seja depois de morrer... Achar o rumo de casa pra mim, significa me encontrar ou reencontrar a pessoa ingênua, inocente, pura e besta que eu sempre fui apesar de tudo o que aprendi e li e vivi esses anos todo, o garoto Pinuca que ainda pulsa dentro de mim... Procuro essa criatura nos becos e vielas e beiras de rios e baixas e açudes desta cidade que pra mim ainda é aquela calçada do centro em que eu pulava andando descalço, não pisando nas riscas que a marcavam e ainda hoje estão lá, meio apagadas mas como as memórias que eu tenho delas, muito vivas dentro de minha alma...
Ver Brasília hoje na televisão significa pra mim relembrar tudo o que vivi ali em 26 anos, pouco mais que a metade da idade dela e pouco menos da metade da minha, sob a mira de um assaltante ou de um policial, padecendo dores de amores e decepções, amargando tristezas e solidões atrozes, privações e humilhações de todo tipo... Meus filhos lá ainda vivem mas não sei se têm boas ou más lembranças de mim. Hoje são adultos mas lembro bem deles, quatro crianças com quem eu saia na noite tranqüila da então pacata cidade satélite de Sobradinho, pra deixar a mãe aliviada da lida diária com eles, andando por parquinhos e quadras a procura de espaço maior que os parcos metros quadrados de um apartamento de dois quartos. Olhava pra eles e pensava na enorme responsabilidade de ter que cuidar deles, do futuro deles. Não sei se me sai bem desse encargo, mas tentei fazer o que podia...
Hoje, Brasília é a lembrança desses anos lá vividos e dessas crianças hoje adultas que lá vivem em companhia da mãe, mas, confesso. é um lugar pra onde eu não quero mais voltar... Se isso diz alguma coisa do meu sentimento por aquela cidade, está dito...

Depois que escrevo o texto acima procuro fotos para ilustrar uma postagem em meu blog; não acho. Vou ao site de um amigo e me deparo com a notícia da morte de um dos poucos amigos que lá deixei, o músico e poeta Paulo Tovar, em setembro do ano passado. No blog de um outro conhecido, encontro uma foto do Paulo Tovar em ótima forma, quando ainda não padecia dum câncer que o levou desta vida pra outra. Paulinho, onde vc. estiver lembre-se de seu amigo Zan e sua obsessão pela sua música que eu não lembro direito o nome mas que falava algo como “noite alta, madrugada...” Vou garimpar a letra dessa música por aí e um dia posto-a aqui no blog. Paulo Tovar foi casado com uma piauiense de Teresina, e com ela teve filhos, conhecia Teresina e talvez Campo Maior.

9 comentários:

  1. Zan, após a janta a minha direção tem dois caminhos quando tenho uma folga, é acessar o seu blog e o bitorocara para ver as notícias e comentários. Confesso meu véio, ao ler esse seu relato me arrepiei, a sua trajetória de vida é igual a de muitos Zeferinos, Raimundos.

    O que aconteceu com você até agora, não é o que vai defenir o seu futuro, e sim a maneira como você vai reagir a tudo que aconteceu, sua vida pode ser diferente, não se lamente do passado, construa você mesmo o seu futuro, encare tudo como uma lição de vida, aprenda com seus erros e até mesmo o erro dos outros, o que aconteceu é menos importante, o que realmente importa é o que você vai fazer com que acontece, eu também já passei e passo por várias situações idênticas a sua, o importante é que no final do dia podemos ouvir aplausos na nossa conciência.

    Eu me lembro de uma letra "Noite Cheia de Estrelas" com o cantor negro meu ídolo do passado Evaldo Braga, aí vai um trechinho da letra....



    Canto
    E a mulher que eu amo tanto
    Não me escuta, está dormindo
    Canto e por fim
    Nem a lua tem pena de mim
    Pois ao ver que quem te chama
    Entre a neblina se escondeu.


    horáciolima
    sampa

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  2. Esse negócio de lembrar o passado falando do que nos aconteceu de ruim, aparentemente pode ser visto como queixa ou lamentação... No meu caso, não é bem assim, porque eu acho que passei por tudo isso sem mudar a minha forma de ver tudo com um certo otimismo, apesar de tudo, coisa que eu resumo numa frase estranha mas que pra mim faz sentido: as coisas dão sempre certo, mesmo quando dão errado... Essa música que vc. citou trecho da letra é de um compositor dos anos 30/40 que eu não lembro o nome agora e o começo dela é muito poético:"Noite alta, céu risonho, a quietudo é quase um sonho/O luar por sobre a mata, qual uma chuva de prata, em belíssimo esplendor..." Os versos que vc. citou são da chamada segunda parte...

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  3. Ontem à noite quando me recolhia ao leito me vieram á lembrança o nome da música do Paulo Tovar que citei no post e alguns outros versos:"Vidas erradas"... e tem um verso desesperado lá pelo final da música que dizia assim:"...qual o veneno que mata primeiro? se é a falta de amor ou a falta de dinheiro..." versos entrecortados por um solo de gaita de boca de arrepiar pelo de defunto... Deus me livre... A música era o fundo musical dos meus últimos anos em Brasília...

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  4. Esse retorno a Campo Maior foi necessário a você.Em determinados momentos das nossas vidas precisamos reencontrar nossas raízes, alimentar nossa alma com as doces lembranças já vividas.Já se falou tanto em música por aqui que lembrei de uma do Velho Roberto que dizia:

    Eu cheguei em frente ao portão,
    Meu cachorro me sorriu latindo
    Minhas malas coloquei no chão,
    Eu voltei
    Tudo estava igual como era antes,
    Quase nada se modificou
    Acho que só eu mesmo mudei,
    E voltei

    Eu voltei, agora pra ficar,
    Porque aqui, aqui é o meu lugar
    Eu voltei, pras coisas que eu deixei,
    Eu voltei, eu voltei

    Fui abrindo a porta devagar,
    Mas deixei a luz entrar primeiro
    Todo meu passado iluminei,
    E entrei
    Meu retrato ainda na parede,
    Meio amarelado pelo tempo
    Como a perguntar por onde andei,
    E eu falei

    Onde andei não deu para ficar,
    Porque aqui, aqui é o meu lugar
    Eu voltei pras coisas que eu deixei,
    Eu voltei, eu voltei

    Sem saber depois de tanto tempo,
    Se havia alguém em minha espera
    Passos indecisos caminhei,
    E parei
    Quando vi que dois braços abertos,
    Me abraçaram como antigamente
    Tanto quis dizer e não falei,
    E chorei

    Eu voltei, agora pra ficar,
    Porque aqui, aqui é o meu lugar
    Eu voltei pras coisas que eu deixei,
    Eu voltei
    Eu voltei, agora pra ficar,
    Porque aqui, aqui é o meu lugar
    Eu voltei pras coisas que eu deixei,
    Eu voltei, eu voltei

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  5. pinga limão conic beq e zéantônio a ordem não altera os fatores

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  6. A Brasília que tem sido mostrada pela televisão, é apenas o Plano Piloto, que tem gente que confunde com Brasília. Quando eu caí na vida, como se diz, conheci a Brasília que a maioria das pessoas não quer conhecer, porque não tem o glamour do Plano Piloto. Morei em quebradas ermas como um sítio na zona rural de Planaltina DF, próxima a Brasilinha, cidade que na verdade se chama Planaltina de Goiás, ou um sítio num lugar chamado Ponte Alta Norte, zona rural do Gama, sem falar noutro sítio na cidade satélite mais nova do DF, chamada São Sebastião. De sítio em sítio eu tinha que começar a sentir nostalgia desse grande sítio que é o Piauí... Nessas quebradas vc. sente a fragilidade de se ver exposto a todo o tipo de risco de se morar em periferias de grandes centros... Plano Piloto, tem gente que mora em periferia, que não sabe nem onde é... Renato Russo na música dele não viu ou falou da metade da miséria e violência que eu vi em cinco anos mourejando pelas periférias do Plano Piloto e cidades do entorno... Na véspera da eleição em que o Cristovão Buarque não se reelegeu, eu fui pegar em Santa Maria, uma banda gospel na minha van, pra participar de um festival numa igreja da Asa Sul; eu nunca tinha ido em Santa Maria e fiquei assustado como aquilo lá parecia o ermo onde eu imagino que o satanás tinha perdido as botas... Cristovão em quatro anos só tinha conseguido por asfalto na cidade, o dinheiro não tinha dado pra urbanizar o lugar; eu me dei conta de que ele perdeu a eleição ali naquela brincadeira... não deu outra... Tou vendo aqui na televisão o Dado Vilalobos do Legião Urbano falando que em Brasília os carros param na faixa de pedestre... Fui motorista profssional ali durante oito anos e realmente isso acontece, no Plano Piloto... agora vá numa cidade satélite como Ceilândia, por exemplo, pedestre lá só atravessa na faixa se tiver um guarda por perto, motorista só para na faixa se acontecer o mesmo... Tem muitas Brasílias em Brasília... Alexandre Garcia e Zileide Silva moram em mansões no Lago Norte e Sul... que é como você querer dizer o que é a vida em Vila Sônia, São Paulo, morando no Jardim América ou Pacaembu...

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  7. ...marã, quer dizer que o zéantonio casou e ainda tá vivo? pergunta pra ele se ele teria coragem de morar em Timon...

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  8. Bom Dia, meu irmão Zan

    Ao acordar pela manhã e após fazer o sinal da cruz liguei o meu rádio de cabeceira e de cara já fui ouvindo Que Pais é Esse, (Legião Urbana) fiquei alguns minutos sentado na cama até o término da canção e, imaginando se o fundador de Brasília fosse vivo. Ao chegar no escritório acessei o seu blog e me deparo com a Brasília do Plano Piloto que você inteligentemente narra, aliás, ontem a Rede Globo de Televisão fez a festa, tudo azul, tudo colorido, todos felizes. Conheço Brasília de cabo a rabo e seus contornos e sei das suas diferenças como qualquer ora capital brasileira. Tenho amigos do Maranhão e Piauí que alí residem em Ceilândia, Samambaia, Taguatinga e uma cunhada que reside no Guará I.

    Alguém neste País está preocupado com a educação? Alguns poucos realmente se preocupam como Cristovão Buarque, a maioria daqueles que detém o poder do conhecimento, o poder político, o poder econômico, querem manter para sí privilégios, a exclusão prevalece, e salve-se quem puder, nesses Brasís de pobres filhos do Brasil.

    A concentação de riqueza no Brasil é tão cruel que agrada os ricos e ao mesmo tempo esmaga os pobres, o que ocorre é que a distância entre pobres e ricos aumenta cada vez, prevalecendo a desigualdade SOCIAL ingridiente neste caldeirão SOCIAL, o Brasil, não é um país pobre e sim um país desumano, desigual.

    Lembram da Lei do Gerson, meia armador da seleção brasileira de futebol?

    -Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também, protagonista para os cigarros Vila Rica, maldilta Lei que nos perseguem. O canhotinha de ouro da seleção não tem culpa, mas ficou etiquetado de querer levar vantagem em tudo.



    Nas favelas e no senado
    Sujeira prá todo lado
    Ninguém respeita
    A constituição
    Mas todos acreditam
    No futuro da nação...
    Que país é esse?
    Que país é esse?
    Que país é esse?
    Que país é esse?
    Na Amazônia
    E no Araguaia
    e na baixada fluminense
    No Mato grosso
    Minas Gerais
    E no Nordeste tudo em paz
    Na morte eu descanso
    Mas o sangue anda solto
    Manchando os papeis
    Documentos fiéis
    Ao descanso do patrão...
    Que país é esse?
    Que país é esse?
    Que país é esse?
    Que país é esse?
    Terceiro mundo se for
    Piada no exterior
    Mas o Brasil vai ficar rico
    e vamos faturar um milhão
    Quando vendemos todas as almas
    Dos nossos índios um leilão...
    Que país é esse?
    Que país é esse?
    Que país é esse?
    Que país é esse?



    horáciolima
    sampa

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  9. Zan, tem gente que nasceu em Brasília e não conhece o plano piloto e tem gente que nasceu em Brasília, no plano piloto e não conhece cidade satélite, acredita? Isso é mais comum do que se imagina.
    Lúcia araújo

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